Ações de combate à pobreza na infância poderiam reduzir em quase um quarto o risco de um jovem cometer crime, mostra pesquisa da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), publicada na revista Scientific Reports.
Um dos destaques do trabalho é o método e a abrangência, tendo em vista que foram analisados 22 fatores de risco que podem ter impacto no desenvolvimento humano por meio do acompanhamento de mais de 1,9 mil crianças de São Paulo e Porto Alegre, em um período de sete anos, da infância à juventude.
Brasil tem 12% de pessoas ALGBT, mostra levantamento.“Tínhamos dados sobre exposição a diferentes fatores de risco durante a infância, desde baixo peso ao nascer até problemas na escola, como bullying e baixo rendimento escolar, ou se apresentaram, ao início da vida adulta, alguma condenação criminal ou medida socioeducativa”, ressaltou a pesquisadora Carolina Ziebold, do Departamento de Psiquiatria da Unifesp, e primeira autora do artigo.
Segundo a pesquisadora, o resultado foi que a pobreza durante a infância – mensurada através de baixo nível de educação do chefe da família, limitado acesso a serviços básicos e baixo poder de compra – foi o único fator associado com criminalidade”, explica.
Outros fatores como exposições perinatais, como gravidez não planejada, prematuridade, filhos de mães fumantes ou de usuárias de álcool não apresentaram nenhuma relação com crimes no futuro. Em um cenário sem pobreza, 22,5% dos casos criminais de jovens poderiam ter sido evitados.
Carolina acrescentou que, normalmente, as pesquisas sobre fatores de risco de criminalidade não avaliam mais do cinco potenciais fatores de risco na mesma amostra. “Nesta pesquisa utilizamos uma abordagem ampla de associação pela qual avaliamos uma gama mais ampla de fatores”, destacou.
Outra inovação é a utilização de “um método matemático, conhecido como fração de risco atribuível à população, que permitiria calcular quanto da criminalidade teria sido reduzida se um determinado fator de risco fosse eliminado através de intervenções ou políticas públicas efetivas”. A pesquisadora pontua que esse método é muito útil para orientar políticas públicas, mas pouco utilizado na área da criminalidade.
“Com o achado, o combate à pobreza aparece como medida fundamental quando pensamos em reduzir a criminalidade, posto que a pesquisa utilizou um conceito de pobreza que inclui diferentes vulnerabilidades. Os achados indicam que as medidas de combate à pobreza deveriam integrar melhorias na educação, no poder de compra e no acesso aos serviços básicos”, disse.
Carolina reforça que, apesar de a associação mostrar que ações de combate à pobreza reduzem a criminalidade entre jovens, a maioria das crianças nesta situação não cometeu crime.
“Especificamente 90% delas não cometeu crime. Então, isso não é algo frequente entre crianças que vivem em pobreza.”
Dos 1.905 participantes, tanto na linha de base (com idade média de 10 anos) como na avaliação feita sete anos depois (idade média de 17,8 anos), 4,3% dos jovens relataram envolvimento criminal.
Segundo Carolina, o estudo dialoga com a perspectiva “dos determinantes sociais da saúde”, que é o entendimento dos fatores que concorrem para a promoção do bem-estar da população.
“Devemos compreender que os processos de adoecimento e saúde estão entrelaçados com o local e as circunstâncias onde as pessoas moram e se desenvolvem a diário, tanto para procurar causas quanto potenciais intervenções e políticas que poderiam beneficiar amplamente à população.”
Outra pesquisa, por exemplo, utilizando os mesmos dados, mostrou como a pobreza na infância esteve relacionada com o desenvolvimento de problemas de saúde mental na adolescência e começos da vida adulta. “Novas pesquisas são necessárias no Brasil para compreender os diversos fatores contextuais que estão associados com saúde e oportunidades de vida dos jovens brasileiros”, sugeriu a pesquisadora..
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