Os fundos comunitários têm se tornado cada vez mais uma ferramenta de apoio na luta por garantia de direitos de povos tradicionais, indígenas, ribeirinhos, grupos e organizações comunitárias, entre outros.
É o caso do Fundo Babaçu que tem financiado iniciativas de quebradeiras de coco babaçu no Maranhão, Piauí, Tocantins e Pará. A verba financia ações socioambientais voltadas para a segurança alimentar e nutricional e geração de renda, conservação da sociobiodiversidade existente nas florestas de babaçu e na luta pela terra.
COP16 termina com atraso e sem acordo sobre formas de financiamento.Quebradeiras de babaçu melhoram produção, mas convivem com ameaças.Fundos comunitários são fundos criados no seio dos movimentos sociais para apoiar iniciativas dos próprios movimentos. Em resumo, pode-se dizer que, diferentemente de outros fundos e formas de financiamento em que a destinação dos recursos geralmente é definida pelo órgão financiador, nos fundos comunitários a decisão é tomada pelos movimentos a partir da identificação das necessidades dos territórios.
São fundos das comunidades para as comunidades, em que os mecanismos de apoio são adaptados às realidades locais. Em geral, esses fundos apoiam pequenas iniciativas relacionadas às pautas desses movimentos, como no caso do Fundo Babaçu.
Criado em 2012, pelo Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu (MIQCB), ele tem por objetivo promover o acesso a recursos para ações de agricultura e de extrativismo de base agroecológica e econômica-solidária em caráter não reembolsável.
Formado por mais de 300 mil mulheres trabalhadoras rurais que vivem em função do extrativismo do babaçu o MIQCB surgiu da luta das quebradeiras pela livre circulação em suas terras, muitas vezes cercadas por criadores de gado, que impedem a coleta do coco.
A partir do manejo da palmeira do babaçu, as quebradeiras produzem azeites, sabonetes, peças de artesanato, carvão vegetal, entre outros produtos. Além de contribuir com a proteção ambiental e os modos de vida dos povos tradicionais, os conhecimentos sobre o manejo dos babaçuais são passados de geração em geração. Muitas quebradeiras de coco são agricultoras familiares e quilombolas.
Atualmente, o fundo está com edital aberto na ordem de R$ 1,6 milhão para apoiar projetos de grupos ou organizações comunitárias atuantes em comunidades agroextrativistas de quebradeiras de coco babaçu. O Edital conta com apoio financeiro do Fundo Amazônia e do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
Ele também destina recursos para apoiar ações de segurança alimentar e nutricional e geração de renda para a melhoria da qualidade de vida de povos e comunidades tradicionais e outras comunidades que vivem em regime de produção familiar nos babaçuais.
Uma dessas iniciativas é um um projeto de horticultores e horticultoras em São Domingos do Araguaia, no Pará. O projeto visa, além de apoiar a segurança alimentar, promover a sustentabilidade, preservação do meio ambiente e o fortalecimento das identidades territoriais das quebradeiras, cuja luta geral é pelo acesso e posse dos seus territórios.
O foco na luta pela terra é a mais nova iniciativa do fundo. Segundo a advogada do MIQCB Renata Cordeiro, desde 2022 o fundo tem uma linha de financiamento para projetos nos territórios que estão em luta por regularização fundiária ou por livre acesso aos babaçuais, ou seja, tem mais a ver com proteção territorial.
“É algo quentíssimo no Brasil, que vai possibilitar, inclusive, a gente firmar acordos de cooperação com órgãos fundiários para agilizar processos represados. A partir desse apoio a gente está trabalhando o reconhecimento a partir de algum documento, com legalidade, uma juridicidade válida, um título, a regularização de territórios coletivos de quebradeiras de coco babaçu”, disse Renata à Agência Brasil.
Algumas dessas iniciativas são voltadas para a elaboração de legislações tanto no âmbito municipal quanto estadual, reconhecendo o direito das quebradeiras aos seus territórios.
“Já conseguimos emplacar isso em uma lei estadual do Piauí e a gente está caminhando, de 2022 para cá, para regularização do segundo território, onde o título definitivo de propriedade sai de forma coletiva e sai registrado que ali é uma comunidade tradicional de quebradeiras de coco babaçu”, continuou.
“Estamos discutindo também com o governo federal, com o MDA [Ministério do Desenvolvimento Agrário], com o MMA [Ministério do meio Ambiente e Mudança do Clima], a criação de uma norma jurídica que dê suporte para a gente também fazer isso em situações em que a União ou esteja destinando suas terras ou esteja fazendo desapropriações. E esse apoio do Fundo do Babaçu tem possibilitado a gente avançar nisso também”, afirmou Renata.
No Maranhão, uma dessas iniciativas está localizada na comunidade de Santa Severa, localizada entre os municípios de Viana e Cajari, na região da Baixada Maranhense. Lá um grupo de quebradeiras de coco acessou o edital do Fundo Babaçu, para desenvolver ações voltadas para o fortalecimento territorial.
“É uma comunidade que são pessoas quilombolas, mas que também tem uma atuação do sindicato [de trabalhadores e trabalhadoras rurais], ou seja, são trabalhadores e trabalhadoras rurais, e são extrativistas, são quebradeiras de coco. A partir desse perfil de agroextrativistas, elas propuseram um projeto na linha produtiva, que se remete diretamente ao sustento dessas famílias, mas também é uma forma de fortalecimento territorial à medida que elas conseguem se manter ali, no território, para legitimar a ocupação, para legitimar a forma tradicional de uso das florestas, do solo, das águas, e o que permite a gente ter outras ações em busca de garantia territorial, de regularização fundiária”, disse a advogada.
E é justamente no desenvolvimento de ações voltadas para produção e permanência no território que o fundo está auxiliando as quebradeiras da comunidade de Tauri, em Itupiranga, no Pará a garantir a titulação do seu território.
“São mulheres quebradeiras de coco e também ribeirinhas. Inclusive para coletar coco elas tem que atravessar o rio Tocantins e elas voltam naquelas canoinhas bem fininhas cheias de coco, não sei como não vira, nem nada, para o lugar onde tem a área de produção delas para poder quebrar o coco extrair a amêndoa e fazer o azeite”, disse Renata.
O projeto, realizado em parceria com o Instituto Zé Cláudio e Maria, nome dado em homenagem aos casal de ambientalistas assassinados no Pará, tem foco na construção de uma unidade de beneficiamento da amêndoa para produção do azeite.
A partir dessa organização, as mulheres puderam apresentar um projeto para o Fundo Babaçu porque o MIQCB não pode acessar seu próprio recurso”, esclareceu Renata.
“Lá também elas não têm qualquer tipo de titulação. Se trata muito provavelmente de uma área da União, terra de Marinha, na beira de rio, com muita pressão de outros proprietários, de fazendeiros, que também já se apropriaram ali daquela área. E a partir dessa aproximação, a gente também já está dialogando com o Ministério do Meio Ambiente e com o Ministério do Desenvolvimento Agrário e está dialogando com essa comunidade no sentido de buscar formas de garantia territorial”, finalizou.
De acordo com os dados da Rede de Fundos Comunitários da Amazônia, atualmente há 18 fundos comunitários, propriamente ditos, na Amazônia, sendo o Fundo Babaçu um deles. Dez estão estabelecidos e em funcionamento; um foi criado mas ainda não repassa recursos; sete estão em processo de criação; oito são fundos indígenas.
Em agosto do ano passado, durante o o 3º Encontro da Rede de Fundos Socioambientais e Territoriais da Amazônia, em Belém, os fundos divulgaram uma carta com algumas afirmações e reivindicações.
Entre elas estão a defesa de que o financiamento climático deve priorizar o apoio direto aos povos das florestas por meio de nossas organizações e mecanismos financeiros; governos, cooperação internacional e filantropia devem garantir o apoio aos fundos comunitários respeitando seus procedimentos; os procedimentos administrativos e financeiros dos doadores devem se adequar à realidade dos povos e comunidades; o custo financeiro das organizações e seus mecanismos devem ser considerados investimento, e não uma despesa; e que os apoios às comunidades devem ocorrer independentemente da regularização fundiária de seus territórios.
O tema do financiamento comunitário e da filantropia voltou novamente ao centro dos debates durante a Conferência das Nações Unidas para a Biodiversidade (COP16), que acontece em Cali, na Colômbia, entre os dias 21 de outubro e 1º de novembro.
A conferência reuniu representantes de quase 200 países para discutir as metas globais para a conservação da biodiversidade até 2030. O principal objetivo da COP16 da Biodiversidade era a regulamentação do Marco Global Kunming-Montreal, aprovado em 2022 no Canadá, que estabeleceu as metas e objetivos para a salvaguarda e uso sustentável da biodiversidade.
O marco estabeleceu a meta de US$ 200 bilhões ao ano de financiamento para a natureza. Deste total, 10% (ou seja, US$ 20 bilhões ao ano) deveriam vir de recursos públicos dos países desenvolvidos para o Sul Global até 2025.
Depois, de 2025 a 2030, esse número saltaria para US$ 30 bilhões ao ano e os outros US$ 170 bilhões viriam de filantropia, do setor privado, de mobilização doméstica de recursos, de bancos multilaterais de desenvolvimento. Os recursos seriam depositados em um fundo criado pela COP16, o Fundo Cali.
A negociação, no entanto, foi suspensa durante a última plenária da COP16, por falta de quórum, após o veto da União Europeia, Noruega, Japão e Canadá.
A falta de acordo acendeu o sinal amarelo para as organizações da sociedade civil e movimentos sociais. Em especial sobre a necessidade de ampliar a filantropia independente e comunitária.
Um mapeamento realizado pela Rede Comuá, que reúne 18 organizações da filantropia independente que doam recursos para projetos nas áreas de justiça socioambiental, direitos humanos e desenvolvimento comunitário, identificou que foram investidos cerca de R$395 milhões em projetos de soluções climáticas no biênio 2022/2023.
Em anúncio recente, a Caixa Econômica Federal divulgou que irá destinar R$53 milhões do seu Fundo Socioambiental (FSA) para a execução de projetos baseados em negócios da sociobiodiversidade que ofereçam soluções focadas na natureza e/ou na segurança alimentar.
Serão contempladas 400 organizações sociais de todas as regiões do Brasil. A iniciativa, chamada Teia da Sociobiodiversidade, foi criada e será coordenada pelo Fundo Casa Socioambiental, integrante da Rede Comuá, que, há mais de 19 anos, atua conectando recursos de grandes financiadores às comunidades que desenvolvem soluções locais.
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