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“Luto pela memória do meu pai há 40 anos”, diz filha de indígena morto – Agência Brasil

A professora de história Edna Silva de Souza completava 33 anos de idade no dia 22 de novembro de 1983, mas a casa, na cidade de Dourados (MS), estava sem clima de comemoração. O pai, Marçal de Souza Tupã, de 63, estava tenso. 

“Ele estava apreensivo e disse pra gente que estava se sentindo perseguido pelos discursos que vinha fazendo em defesa dos direitos dos indígenas à terra. Ele denunciava tudo o que via de errado. Mas a gente vivia numa ditadura. Não existia liberdade de expressão”, pondera a filha. 

Cinco tiros

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Edital vai apoiar cientistas negros e indígenas no pós-doutorado.Negros e indígenas são apenas 7,4% dos professores em pós-graduação.Incra finaliza cadastro de terras indígenas.Liderança Guarani Kaiowá, o auxiliar de enfermagem do efetivo da Funai, Marçal de Souza  foi assassinado em sua casa, na aldeia Campestre, no município de Antônio João (MS), com cinco tiros, no dia 25 de novembro há exatos 40 anos. Como havia sido transferido, só voltava para casa uma vez por mês.

A família só foi avisada no dia seguinte. Não bastasse isso, o crime nunca foi esclarecido. “Desde aquele dia, buscamos por justiça. Luto pela memória do meu pai há 40 anos”, diz a filha, hoje aos 73 anos de idade. 

Edna atuou por 35 anos como professora de história em escolas indígenas na região. “Por onde fui, contei a história dele. Era um revolucionário. Onde ia, as pessoas paravam para ouvir”.

Isso gerou os problemas. “Ele procurava esclarecer os direitos para as pessoas. Na época, era chamado de agitador”, considera a professora. Ela recorda que a convivência com o pai havia ficado restrita com a função dele na Funai, mas Marçal não deixava de voltar para casa desde que foi transferido de cidade, três anos antes.  “Meu pai recebia o pagamento dele como auxiliar de enfermagem e voltava para Dourados todo mês para fazer compras para casa”.

Manaus – Edna Silva de Souza, filha de Marçal, fala sobre a luta do pai pelos direitos indígenas – Foto: arquivo pessoal

Resistência

Em casa, havia deixado os sete filhos. Mas não dava um passo atrás. Fazia discursos, palestras, cobrava entidades públicas. Não se conformava ao ter conhecimento de indígenas em situação de vulnerabilidade. “Ele dizia: ‘sou uma pessoa marcada para morrer’”.

No trabalho como enfermeiro, buscava remédio para as comunidades mais vulneráveis. Ouvia da família que deveria se cuidar e evitar sair à noite. Outra preocupação é que fazendeiros tentavam aliciá-lo para que deixasse de protestar. 

“Ofereceram muito dinheiro para ele. E garantia que a honestidade não tinha preço”. Na última volta para casa, disse para a família que precisava arrumar mais remédios para a comunidade e que faltavam desde os medicamentos mais simples. 

Papa

Três anos antes do assassinato, Marçal de Souza, em Manaus, fez um discurso para o papa João Paulo II.  “Este é o país que nos foi tomado. Dizem que o Brasil foi descoberto. O Brasil não foi descoberto não, Santo Padre, o Brasil foi invadido e tomado dos indígenas. Esta é a verdadeira história”, disse ao papa. 

Naquele ano do encontro com João Paulo II, Marçal Tupã foi transferido de cidade, onde acabou morrendo. Conforme registra o arquivo do MInistério Público Federal em Mato Grosso do Sul, os acusados Libero Monteiro de Lima e Rômulo Gamarra foram absolvidos por falta de provas. “Lembro que nos falaram que o local do crime não foi preservado e, por isso, ninguém foi punido”

Após o assassinato, a família ficou com medo. Mas procurou honrar a terra do pai. “Ele falava que não ia desistir da missão”. Para honrar a memória de Marçal, entidades como o Centro Indigenista Missionário (Cimi), a Aty Guasu – Grande Assembleia dos Povos Kaiowá e Guarani, a  Universidade Federal da Grande Dourados e o Ministério Público Federal realizam atos de homenagem à memória do indígena assassinado há 40 anos.

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